sexta-feira, 11 de março de 2022

 

"Crônica de um desbrasil"


A sombra do lado do avesso e de ponta cabeça de um país. Um lugar estranho, de desproporções esquisitas, e com uma desigualdade social ímpar. Um país que produz e não come. Que tem dinheiro e não investe. Que desestrutura a Educação para abolir o pensar. Que enriquece ricos e empobrece miseráveis.

Um desbrasil com três poderes carcomidos e dilacerados, caracterizado pela instrumentalização dos órgãos da justiça transformando-a num monstruoso partido político; pela perversão da máquina legislativa e pela degradação constante no seu executivo, se afundando mais e mais em falas medíocres sobre valorização da família, valores e princípios esvaziados de verdade.

Valorização da família de quem? Com quais métodos? Em detrimento de quantos milhões de famílias?

Valores e princípios? Sem comprometimento com nenhuma das funções e dos fundamentos do Estado de Direito?

É o desbrasil da ignorância ampla e extrema que convencionou chamar-se “gente de bem”, que acredita que a moral é inerente aos órgãos sexuais. É o desbrasil que aniquila mulheres, negros, macumbeiros e críticos do sistema!

É o desbrasil que não suporta índios depois de vilipendiar a terra deles. Que se desespera para introduzir o cristianismo no meio indígena por não suportar rituais religiosos que não os seus, que teme a valorização de uma cultura própria que nada se parece e nem nunca pretendeu se parecer com a europeia.

É o desbrasil das raposas políticas que defendem todas essas posturas mesmo sabendo que já é passado em muito, o tempo da mudança.

É o desbrasil dos religiosos, puritanos, provincianos e mentirosos.

É o desbrasil que mesmo sem comer agradece as patas que lhe permitem as migalhas, agradece os pés que lhe pisam o pescoço e chama o maior desastre da história de mito. 

É o desbrasil que gostaria de acabar com o sistema de saúde pública, pois mesmo pobre acredita que é privilegiado. Que não entende que as garantias constitucionais e os direitos humanos existem para o povo.

É o desbrasil da fé mínima, estreita, rasa e curta. Dono de um deus aprisionado numa gaiola de certezas idiotas. Que joga lama na cultura e na arte, que menospreza a Ciência. Que não gosta de livros, que não se aprofunda e gosta da facilidade que se origina nas superficialidades.

Que nega a história de seu chão e de sua gente, que nega o período maldito do regime militar mesmo diante de tantas mortes, desaparecimentos e torturas.

E o pior de tudo, um desbrasil violento que pretende transformar crimes em liberdade de expressão encontrando suporte e alimento na voraz fala de seu precário líder.

Em que país eu estou?

Óbvio, eu estou tentando retornar para o Brasil. Para mim vida é liberdade. É pra lá que eu vou, embora para essa estrada escura, tortuosa e insana do Jair, eu jamais tenha enveredado.

 

 

                 Célia Regina Motta, bacharel em Direito, Licenciada em Letras e servidora pública.

                 cmotta86@gmail.com