domingo, 19 de junho de 2022

Maisa Ianca Celestino, Toda Arte e Fazendo Arte

 

Eu aposto as minhas fichas.

Endosso. A menina chegou roubando a cena e as atenções transbordando arte. Maisa pinta, desenha e faz artesanato. Tem poder de criação.

De personalidade forte, com posturas decididas em questões políticas, sociais e econômicas é uma linda criatura que desde criança enveredou para o universo artístico fazendo maquetes de tudo que gostava. Admiradora de Edgar Allan Poe se prepara para ser admirada também. Gosta de animes mas penso que vai enveredar para o realismo fantástico. Coisa minha, intuitiva... 

Decidida, de espírito livre como deve ser todo artista, ela vem com pontos de vista amplos e singulares percepções da vida e do Universo.

Veremos, acompanharemos e divulgaremos.

A tela que aparece em sua fotografia foi rapidamente vendida assim que ela terminou de pintar. Diga-se de passagem por um valor maior do que ela havia sugerido.


Célia Regina Motta

guardiadelendas.blogspot.com

sexta-feira, 11 de março de 2022

 

"Crônica de um desbrasil"


A sombra do lado do avesso e de ponta cabeça de um país. Um lugar estranho, de desproporções esquisitas, e com uma desigualdade social ímpar. Um país que produz e não come. Que tem dinheiro e não investe. Que desestrutura a Educação para abolir o pensar. Que enriquece ricos e empobrece miseráveis.

Um desbrasil com três poderes carcomidos e dilacerados, caracterizado pela instrumentalização dos órgãos da justiça transformando-a num monstruoso partido político; pela perversão da máquina legislativa e pela degradação constante no seu executivo, se afundando mais e mais em falas medíocres sobre valorização da família, valores e princípios esvaziados de verdade.

Valorização da família de quem? Com quais métodos? Em detrimento de quantos milhões de famílias?

Valores e princípios? Sem comprometimento com nenhuma das funções e dos fundamentos do Estado de Direito?

É o desbrasil da ignorância ampla e extrema que convencionou chamar-se “gente de bem”, que acredita que a moral é inerente aos órgãos sexuais. É o desbrasil que aniquila mulheres, negros, macumbeiros e críticos do sistema!

É o desbrasil que não suporta índios depois de vilipendiar a terra deles. Que se desespera para introduzir o cristianismo no meio indígena por não suportar rituais religiosos que não os seus, que teme a valorização de uma cultura própria que nada se parece e nem nunca pretendeu se parecer com a europeia.

É o desbrasil das raposas políticas que defendem todas essas posturas mesmo sabendo que já é passado em muito, o tempo da mudança.

É o desbrasil dos religiosos, puritanos, provincianos e mentirosos.

É o desbrasil que mesmo sem comer agradece as patas que lhe permitem as migalhas, agradece os pés que lhe pisam o pescoço e chama o maior desastre da história de mito. 

É o desbrasil que gostaria de acabar com o sistema de saúde pública, pois mesmo pobre acredita que é privilegiado. Que não entende que as garantias constitucionais e os direitos humanos existem para o povo.

É o desbrasil da fé mínima, estreita, rasa e curta. Dono de um deus aprisionado numa gaiola de certezas idiotas. Que joga lama na cultura e na arte, que menospreza a Ciência. Que não gosta de livros, que não se aprofunda e gosta da facilidade que se origina nas superficialidades.

Que nega a história de seu chão e de sua gente, que nega o período maldito do regime militar mesmo diante de tantas mortes, desaparecimentos e torturas.

E o pior de tudo, um desbrasil violento que pretende transformar crimes em liberdade de expressão encontrando suporte e alimento na voraz fala de seu precário líder.

Em que país eu estou?

Óbvio, eu estou tentando retornar para o Brasil. Para mim vida é liberdade. É pra lá que eu vou, embora para essa estrada escura, tortuosa e insana do Jair, eu jamais tenha enveredado.

 

 

                 Célia Regina Motta, bacharel em Direito, Licenciada em Letras e servidora pública.

                 cmotta86@gmail.com 

 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

A falsa crença ou a Ciência?

 

A mísera abstração da primeira ou a objetividade e a comprovação de fatos através de dados da segunda?

Representando a primeira, um líder sem liderança a espalhar escuridão depois do século das luzes, escondido atrás de um escudo de falso moralismo e religião. Que prega a morte e é essencialmente ocioso e mentiroso. Que tira direitos dos trabalhadores sem nunca ter trabalhado em sua deplorável vida criminosa. Um exemplar vulgar de carrasco medieval moldado pelos conceitos da casa grande exortando a cloroquina.

Sim, isso tudo e muito mais. E ainda desperta credulidade em muitos.

A segunda por si só dispensa representantes. Objetiva e comprovável.

Enquanto a primeira vaga boba, vazia e cega sem rumo em busca de ignóbeis seguidores, a segunda trabalha incansavelmente em tarefas mil.

Enquanto a primeira prega a carnificina de mais de 600.000 mortos contrapondo-se à vacina, a segunda prima pela vida em sua expressão maior.

Quando penso em crença verdadeira me vem logo a imagem de candura de dona Aurélia, a benzedeira pequenina com o melhor perfume de arruda que já vi. Me vem a imagem de Chica Julião a parteira e rezadeira que ajudava a trazer vidas à vida. Me vem Pedro Ventura com suas beberagens e infusões de curandeiro descendente retinto de escravos cheio de histórias para contar. Me vem o querido Zé Mineiro com seu rosário de Nossa Senhora, mestre da alegria e dos causos, verdadeira lenda viva dos pés de valsa. Nada que se enquadre na falsa crença. Todos benevolentes.

Todos pelo bem e para o bem. Cheios de sorrisos largos, de suores que transcendem tempo e espaço em suas buscas infinitas pelo sentido dos seres e do universo.

Certamente discípulos da Ciência, aprendizes da manipulação da botânica. E por extensão de suas próprias experiências, favoráveis à vacina.

Como não entender a segunda como entidade sagrada? Como não crer em algo concreto, provável e cheio de luz?

Como não desconfiar da primeira, quando é travestida da pior indumentária de horror e alegorias patéticas? Como não desconfiar da falsidade que desponta de trás da máscara de idiotia dissimulada e simplória?

Vacina é sabedoria. Rompe barreiras de medo e escuridão. Liberta. Solta as amarras.

Já a falsa crença prende e escraviza os indivíduos em conceitos estreitos, rasos e curtos.

É hora de acreditar no certo e aderir de modo amplo e inequívoco aos encantos da Ciência. É hora da vacina.

Passa da hora de imunizar-se contra exemplares medievais perdidos num tempo de horror que não deve retornar.

É hora de crença.

 Sim.

Crença na vida, na lógica, nos fatos, nos dados, nas estatísticas.  É hora de fé na Ciência. Crença no discurso dos cientistas.

Aliás, depois da dose de vacina podíamos assistir ao filme “Em nome de Deus”!

 

                                                   

                                                  Célia Regina Motta, servidora pública,

                                                   Bacharel em Direito e Licenciada em Letras                                             

                                                   cmotta86@gmail.com

 

 

domingo, 26 de dezembro de 2021

 O Cristo Revolucionário


Eu quero um mundo de liberdade de escolhas, com pluralidade de crenças e ricos rituais.  Com muitas cores. Cores de gente, cores de paisagens, cores de cabelos, cores de olhos, cores de bichos diversos. Quero tudo diverso. Com multiplicidade de infinitas raças e pessoas de todos os gêneros e de todos os pesos, de todas as medidas e todas as ideologias do Bem. Um Mundo com toda forma de amor e de sexualidade. Um mundo que seja belo por todas as diferenças que carrega. Um mundo sem rótulos e sem padrões preconcebidos.

 Eu não quero um mundo em que o Cristo nasça impreterivelmente todos os anos por milênios sem ter corações humanos em número suficiente para germinar e florescer no útero da Mãe Terra. Não quero mais um mundo que não perceba o Cristo nas selvas, e florestas. Não quero um mundo que divida a criação em grupos e explore os animais, tão mais humanos do que nós. Não quero um mundo que insista em embranquecer o Cristo e azular os seus olhos. Não quero um mundo em que a mãe desse Cristo sofra um apagamento histórico em função das forças destrutivas do patriarcado. Não quero um mundo onde a educação tradicional mutile a sexualidade das meninas em função do machismo e do capitalismo. Não quero um mundo onde princípios externos e ultrapassados destruam a integridade das pessoas em razão de seus gêneros, bem como dos casamentos que decidam viver ou ainda das mudanças que entendam e concebam necessárias em seus e somente seus corpos. Não quero religiosos se afrontando pelo fato de cada seguimento ter a própria trilha para chegar até a Divindade, nem discriminando os que adotaram o direito de não acreditar em nenhuma divindade. Não quero ouvir a desalentada fala das meninas que ainda acreditam que seus corpos não são bons o bastante, que precisam mudar radicalmente buscando um peso que jamais será delas. Quero que amem seus cabelos quando seus sonhos escorregarem dançando pelo tapete de cetim que escorre sobre seus ombros, mas que os amem também quando milhares de anéis e labirintos armazenarem as memórias e a força de sua ancestralidade negra, adornando as mais belas bocas e olhos que a Natureza esculpiu.

Quero um Estado Máximo que não se limite a defender embriões, mas que de fato e efetivamente tutele todos os direitos da criança que nasce. Que pare de prender e matar crianças pobres e negras a despeito de uma ordem que nunca chegou e nem chega. Quero que os presos tenham um julgamento digno e decente dentro do ordenamento Constitucional.

Quero que a fome e a miséria sejam amplamente enfrentadas pelos Poderes do Estado, uma vez que é em seu seio que elas nascem. Quero poder chamar esse Estado de mãe, para amá-lo como Pátria.

Que toda forma de arte seja reverenciada, visto que é alimento para a alma.

Que entendamos que todo amor é força de propulsão e toda luta pelo bem é sagrada.

Que a toalha branca da minha imensa mesa Kardecista não seja limítrofe quando eu quiser dançar na chuva sob os trovões gritando “Eparrey Oya” para Iansã, e que eu possa chama-la de “minha.” Que nas igrejas de Nossa Senhora eu ainda possa entrar descalça e chorar de joelhos, pois eu sou dela.

Que nenhum Amém sufoque nenhum Saravá. Que os santos católicos sejam respeitados com justeza, assim como os Orixás dos terreiros de solo também sagrado. Que a Bíblia continue no seu papel de evangelizar com amor respeitando o Livre Arbítrio das pessoas para seguirem com as suas buscas verdadeiramente desejadas, com menos dogmas e mais ternura.

Que permaneça entre nós a Paz que Buda, Gandhi e Mandela ensinaram e demonstraram. Mas que saibamos que ser da paz não significará em momento algum fugir da luta! E que a gente comemore o dia do Cristo Revolucionário, maior modelo e guia do planeta. E que a gente cuide e respeite o planeta escutando a Mãe Terra e a Força Feminina de Deus.    

                                          

                                             Célia Regina Motta

                                                    Bacharel em Direito e Licenciada em Letras

                                                     cmotta86@gmail.com

                                                                                                                       

                  

sábado, 11 de dezembro de 2021

Aula Cemiterial aos Alunos do Colégio Portinari


 No dia 14 de Outubro de 2021 fui convidada pelo Professor Doutor Edson Fernandes para uma explanação sobre dois túmulos históricos no Cemitério em Lençóis Paulista: o de Maria Francisca de Jesus e o da Família Maluf.

A Aula Cemiterial foi ministrada pelo Professor Edson de notável saber histórico e cultural, aos alunos do Segundo Grau do Colégio Portinari. O assunto virou matéria no Jornal Pedra de Fogo.

Com muita alegria e lisonja participei dessa aula incrível com esse historiador e escritor que tanto admiro. Edson está desenvolvendo outros projetos acerca desse tema.

Esperamos por mais novidades em breve!


Célia Regina Motta

guardiadelendas.blogspot,com

A HISTÓRIA SEM A SUA GLÓRIA

 

A História Sem A Sua Glória

Há um nome do qual todos nós somos devedores.

Há um nome ao qual cedo ou tarde o poder público terá de revolver das sombras e elevá-lo ao cume da luz.

Cume da glória é o destino da gloriosa Professora Cecília Marins Bosi. Cabe aqui uma correção: não é um nome, é sim e antes, o nome mais ilustre de nossas paisagens dispersas sobre o tempo e sobre o espaço. A dignidade personificada em pioneirismo. A personalidade educadora por essência e por excelência.

Lecionando no Distrito antes mesmo da construção do grupo escolar, formou aqui gerações e gerações de guedenses que ainda reclamam e relembram o seu legado. A benemérita educadora teve o seu nome relegado ao esquecimento em razão da municipalização de nossa escola.

Evidentemente, o nome que a substitui não é nem menos digno e nem menos tradicional. Não, ao contrário, é um nome que ainda perdura em grande parte de sua descendência que aqui vive. Não menos memorável. Não menos merecedor de estima e consideração de nossa parte. Absolutamente, não é disso que se trata. Dona Philomena Briquesi Boso fez por merecer a justa homenagem da imortalidade, adentrando o terreno do resgate das memórias mais caras, é bom que se diga.

O que não foi digno, nem merecedor de respeito ou consideração, e muito menos justo, foi o posicionamento dos poderes que à época da municipalização da escola baniram a mais brilhante memória da história do Distrito. A distinta precursora da mais importante luta que é a Educação teve vilipendiado o seu nome e diminuídas as suas obras.

A Educação é o manto que leva sob si todas as vocações, incluindo a Ciência e a própria História. E o manto foi maculado. No lugar dos ombros dessa visionária, abriram uma ferida que não cicatriza. Que não cicatriza inclusive em nós. A mulher  que se doou em sacerdócio abraçando a total ausência de recursos educacionais e pedagógicos, para fazer valer o seu ideal de expansão do saber, após ocupar o seu pedestal legítimo de louvores e reconhecimento, foi relegada ao apagamento.

Isso, senhores, gostem ou não, um dia terá de ser reparado.

Será que o Distrito supostamente potencial em história e cultura, pertencente ao Município da futura Lençóis turística, não comportaria em seu Memorial nenhuma sala com os pertences e mobiliário original da escola?

Será que a Praça do Bom Jesus não agregaria de modo muito peculiar um busto com a biografia dessa excelsa mulher?

Ou o próprio Memorial, não poderia carregar a honra e a robustez do nome ímpar de Cecília Marins Bosi, Sacerdotisa da Educação?

Estamos em débito com a Professora Cecília. Estamos em vergonhoso débito para com a sua descendência e é urgente tal reparação.

                                                                                           

                                                                                                               Célia Regina Motta.

 


 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 TEMPOS ESTRANHOS


Depois de tanto tempo distante da escrita retorno em dois tempos:

-O primeiro, sobre a atual situação de insegurança e desconfiança institucional;

-O segundo, sobre a prisão de meu falecido pai, quando vereador em 1964, por possuir no local em que morava, livros Marxistas. 

                         No dia 16 de Outubro de 2021, fiz minha estréia como colaboradora do Jornal Pedra de Fogo. É bom que se diga, com muito orgulho e muita alegria. Pois bem, não posso então deixar de registrar aqui a perseguição e retaliação pela qual Chu Arroyo, responsável pelo jornal vem sofrendo. Para tanto, registrarei aqui o meu apoio ao Chu, juntando a minha modesta postura aqui na página à manifestação formal da Federação de Jornalistas de Língua Portuguesa ( Angola, Brasil, Cabo Verde, Goa, Guiné Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste) no Ofício out/2021 às Autoridades Internacionais e aos membros titulares das representações filiadas à FJLP

Eu deixo aqui o meu repúdio ao autoritarismo sob todas as suas formas, principalmente aquelas provenientes de instituições que existem tão somente para garantir o pleno exercício de informação bem como das liberdades constitucionais.

Pegando carona na questão político autoritária, vamos até o ano de 1964...



Waldemar Geraldo da Motta

No ano de 2018 viajei para Itápolis em busca de minha família paterna. Conheci alguns tios quando eu era muito criança. Meu avô paterno eu não conheci, pois ele havia falecido em abril de 1964 e eu nasci em 1969. Minha avó teve tempo de segurar-me ainda bebê em seu colo. Pouco tempo depois também faleceu. Em 2019, enfurecida e revoltada com a vitória de Jair Bolsonaro, desanimada por todo o retrocesso que sua vitória representava para a ordem democrática e o Estado de Direito, aturdida por perceber o quanto a ignorância se agigantava na nossa triste nação resolvi retornar a Itápolis para resgatar ao menos um pouco de meu pai. O Motta. Uma robusta inspiração de fé na Democracia. Preto, pobre e polêmico. Inteligentíssimo e com refinamento para concepções políticas. E foi assim, em uma grande reunião da família Motta, com ressoares das timbas e tambores que ecoavam chamando por ele, ao som de “Sonho meu! Sonho meu! Vá buscar quem mora longe, sonho meu” que o Motta retornou de nossos poros atendendo ao nosso chamado. Vertia ele de nossos suores. Suores dos ancestrais amores nas matas. Suores de dores e temores dos porões de assombrosos navios negreiros. Negros dias e noites.

Waldemar Geraldo da Motta nasceu em 21 de setembro de 1933 na pequena Itápolis. Filho de Francisca e Moisés, criado de forma muito simples dentro de uma família conservadora e patriarcal, muito cedo se rebelava aquele menino de sorriso fácil e olhos vibrantes contra o sistema de exploração econômica, desigualdade social, opressão e intolerância religiosa.

De oratória brilhante, corpulenta e argumentação apurada, aquele menino começava a gostar da política. Sem condições para estudar debruçou-se sobre livros e jornais em verdadeira saga, incansavelmente. Lia de tudo. Entre seus catorze e dezesseis anos de idade ele saiu de casa e veio para Lençóis Paulista. Rumores apontam para a possibilidade de que naquela época já fosse o menino Motta, pelo seu comportamento desafiador do sistema, um provável “problema” para a sua família, posto em evidência o seu temperamento questionador e turbulento. Destemido por excelência de lá vinha o garoto para trabalhar na antiga tinturaria do senhor Luís Duarte.

Aguerrido e impulsivo, tratou logo de conhecer os redutos politizados ao longo do tempo na Lençóis “princesa dos canaviais”. Alinhado com a nata dos idealistas militantes da época cresciam seus princípios de bases socialistas e trabalhistas. E o guerreiro amadurecia.

Militante do MDB varria a cidade com seus comícios acalorados. Suas palavras por vezes duras envoltas em sua voz grave davam singularidade à sua figura pequena, que estranhamente aumentava brutalmente quando pisava com respeito o sagrado palanque. Em uma das mãos o microfone demonstrava o quanto para ele aquilo era de fato uma tribuna ilustríssima para o mais importante lugar de fala. Em sua outra mão, seus gestos firmes e convictos não eram menos eloquentes que sua boca de batalhas mil. Seu grande amor, a política. A política sempre foi a sua perdição e a sua redenção. Sua paixão e salvação. Misturados com a sua personalidade boêmia davam ao Motta um carisma muito peculiar.

Foi eleito vereador por três vezes. A primeira em 1963; a segunda vez na eleição de 1976 e a terceira em 1982, juntamente com o prefeito Ideval Paccola. O município dava os seus primeiros passos sem as amarras dos grandes grupos econômicos dominantes da cidade. Víamos a administração local voltada para as questões sociais.

Um homem de combates, de espírito vermelho, de valentia flamejante capaz de desconcertar qualquer opositor. Entre amigos de igual postura lá ia ele entre os locais da Rua XV de Novembro, com um carinho todo especial para com o senhor João Germino, saudoso proprietário do inesquecível Bar do Chope. Em reuniões intermináveis na calada da noite, o militante dentro dele como que forjado pela espada do Arcanjo Miguel e esculpido pelos machados de Xangô, se fortalecia.

No mês de maio de 1964, em plena ditadura militar mediante denúncia e com base em uma lista de suspeitos de subversão, existente na delegacia de polícia local, o Motta foi detido. Preso por ter no quarto em que ele morava dois livros de doutrina Marxista. Era vereador nessa época. As agruras do nefasto regime atingiram o guerreiro negro.

Minha mãe ainda hoje conta que quando namoravam meu pai ficou muito tempo desaparecido. Provavelmente por perseguição do regime ditatorial, devido aos seus posicionamentos sempre contundentes. Tal assunto ficou guardado, velado e restrito em nossa casa por muitos e muitos anos. Creio que tenha partido dele o silêncio, para nos proteger e nos poupar, já que depois que do casamento ficaram vivendo na casa de meus avós maternos aqui em Alfredo Guedes. E novamente o Motta se via no seio de uma família de direita e conservadora. Eu me recordo de alguns de seus discursos. Eram verdadeiros folguedos. Em meados dos anos de 1970 e 1980, eu me lembro de algumas vezes ver em nossa casa o Dr. Luciano Bernardes Filho, Edvaldo Bianchini entre outros. Minha mãe também me conta que eu ainda muito pequena tinha por ídolo o Lucianinho Bernardes e que era absurdamente evidente a empolgação e o entusiasmo que eu sentia quando o Dr. Luciano discursava.

No Livro de Ata das Sessões da Câmara Municipal de Lençóis Paulista, referente ao período de 1963 a 1965, encontram-se todas as menções à prisão de meu pai. Detido por ser inteligente, questionador, crítico das atrocidades do estado, sensível diante dos abusos de ordem trabalhista e inconformado com a realidade do racismo. Um homem a frente de seu tempo.

Vendendo cortes de tecidos na Pernambucana, cortava o seu destino e o nosso também através da entidade viva que é a política. Um café no Bar do Chope que ficava logo ali pertinho da loja, um cumprimento de “boa tarde” na quitanda da Tereza, japonesa do sorriso largo vagando vaporoso sob o cheiro das maçãs argentinas em suas bandejas cor de violeta, um abraço na querida amiga dona Leda e um conselho de Alexandre Chitto preenchia as suas manhãs e tardes. E o Geraldo Motta ia e vinha todos os dias de trem. Seguia trabalhando em Lençóis e morando no Distrito de Alfredo Guedes que adotou como sua terra, sua gente e seu porto seguro.

Antes disso houve uma época em que trabalhou no histórico Bar Guarani, no Bar da Estela... Nas quintas de folga me levava com ele de trem para Lençóis. E eu muito pequenina via pelas primeiras vezes o entusiasmo que ferve nas ruas por mudanças, e como o cheiro dos bares se mistura ao perfume de esperança que move o povo que grita orações de reivindicações.

Boêmio que era dedilhava violões pelas madrugadas com seus amigos de várias idades. A voz que me ensinava o valor da liberdade era a mesma que cantava Amapola de Gregório Barrios. O pai que tinha o bolero cravado nos pés era o mesmo que contrariava a ordem para a educação das meninas e afirmava que eu não precisava ter filhos se eu não quisesse. Que eu só deveria me casar se assim desejasse, mas que isso não deveria fazer de mim uma pessoa solitária. Nunca deixou que nenhuma amarra me pegasse ou prendesse nenhum de meus anseios. E era essa a liberdade de escolha que ele sempre desejou que sua gente tivesse. E sei que deseja ainda. Seu legado é o da liberdade. A luta que demonstra não haver diferenças entre raças, gênero ou classe social.

Foi com essa liberdade de acertar e de errar que eu sempre toquei minha vida. Foi com a certeza de saber que eu poderia fazer qualquer coisa que um homem fizesse sem que isso me diminuísse. Ele me podou os medos. E deixou como herança para o povo essa mesma poda de temores.

O político e boêmio mesclava o amor mariano à força dos orixás. Por isso quando rezo, choro de joelhos nos altares de Nossa Senhora pisando descalça o seu chão. Mas danço para Iansã nos dias de tempestades. Submeto-me e tremo por Ogun, grande general da Umbanda, emociono-me profundamente na brancura reluzente das mesas kardecistas que clamam a Jesus, reverencio os atabaques de meu sangue negro, sangue do Motta e me encho de esperanças ao som das Aves Marias. Agradeço com respeito e ternura os pretos velhos que me acompanham. Como ele, que mesmo preso, injustiçado e perseguido, vou me negando ao pessimismo e sigo acreditando que a política seja sim sagrada, uma poderosa ferramenta de poder de transformação da realidade e das vidas das pessoas. É preciso suprimir o excesso de regras e fanatismo e substituí-lo por amor à vida. O Motta se foi em março de 2001, levando com ele várias conquistas para Alfredo Guedes, ressaltando o imenso orgulho de ter trazido a vicinal, o tão esperado asfalto na estrada que liga a Rondon e que hoje leva o seu nome. Velado na Câmara Municipal com as honras que fizera por merecer, lá se ia novamente o Motta de perfil guerreiro para outras messes, mas não sem antes dizer para que o povo não se curve. E olhando para o seu corpo ali, já com a sua presença ao meu lado, meus ouvidos percebiam seu sussurro: “Eu jamais abandonei os meus livros fossem de quaisquer doutrinas inclusive a dialética marxista”. E eu só pensava: “Viva a liberdade e viva Democracia”!

E para homenageá-lo, além de trazê-lo aqui, convido: Vamos assistir Marighella?

 

                                                                                                           Célia Regina Motta