"Crônica de
um desbrasil"
A sombra do
lado do avesso e de ponta cabeça de um país. Um lugar estranho, de desproporções
esquisitas, e com uma desigualdade social ímpar. Um país que produz e não come.
Que tem dinheiro e não investe. Que desestrutura a Educação para abolir o
pensar. Que enriquece ricos e empobrece miseráveis.
Um desbrasil
com três poderes carcomidos e dilacerados, caracterizado pela instrumentalização
dos órgãos da justiça transformando-a num monstruoso partido político; pela
perversão da máquina legislativa e pela degradação constante no seu executivo,
se afundando mais e mais em falas medíocres sobre valorização da família, valores
e princípios esvaziados de verdade.
Valorização
da família de quem? Com quais métodos? Em detrimento de quantos milhões de
famílias?
Valores e
princípios? Sem comprometimento com nenhuma das funções e dos fundamentos do
Estado de Direito?
É o
desbrasil da ignorância ampla e extrema que convencionou chamar-se “gente de
bem”, que acredita que a moral é inerente aos órgãos sexuais. É o desbrasil que
aniquila mulheres, negros, macumbeiros e críticos do sistema!
É o
desbrasil que não suporta índios depois de vilipendiar a terra deles. Que se
desespera para introduzir o cristianismo no meio indígena por não suportar
rituais religiosos que não os seus, que teme a valorização de uma cultura
própria que nada se parece e nem nunca pretendeu se parecer com a europeia.
É o
desbrasil das raposas políticas que defendem todas essas posturas mesmo sabendo
que já é passado em muito, o tempo da mudança.
É o
desbrasil dos religiosos, puritanos, provincianos e mentirosos.
É o
desbrasil que mesmo sem comer agradece as patas que lhe permitem as migalhas,
agradece os pés que lhe pisam o pescoço e chama o maior desastre da história de
mito.
É o
desbrasil que gostaria de acabar com o sistema de saúde pública, pois mesmo
pobre acredita que é privilegiado. Que não entende que as garantias constitucionais
e os direitos humanos existem para o povo.
É o
desbrasil da fé mínima, estreita, rasa e curta. Dono de um deus aprisionado
numa gaiola de certezas idiotas. Que joga lama na cultura e na arte, que
menospreza a Ciência. Que não gosta de livros, que não se aprofunda e gosta da
facilidade que se origina nas superficialidades.
Que nega a
história de seu chão e de sua gente, que nega o período maldito do regime
militar mesmo diante de tantas mortes, desaparecimentos e torturas.
E o pior de
tudo, um desbrasil violento que pretende transformar crimes em liberdade de
expressão encontrando suporte e alimento na voraz fala de seu precário líder.
Em que país
eu estou?
Óbvio, eu
estou tentando retornar para o Brasil. Para mim vida é liberdade. É pra lá que
eu vou, embora para essa estrada escura, tortuosa e insana do Jair, eu jamais
tenha enveredado.
Célia Regina Motta, bacharel
em Direito, Licenciada em Letras e servidora pública.
cmotta86@gmail.com